JOÃO TÁVORA
Lisboa, Portugal, 1981
João Távora: «Um desenho é uma coisa banal e bizarra. É banal porque podemos encontrar desenhos minúsculos em guardanapos de papel ou desenhos colossais na parede de uma sala, como os feitos silenciosamente por uma criança concentrada quando não estávamos a olhar. Um desenho pode retratar um episódio mitológico grandioso, uma façanha burlesca trivial, ou ser apenas um rabisco e não representar nada.
E bizarro porquê? Embora seja verdade que um desenho possa contar uma “história” ou conter algum tipo de precursor de uma narrativa, ele também contém o seu próprio tempo, um tempo diferente daquele que eventualmente possa retratar. Esse tempo é irrazoavelmente vasto, ainda mais vasto do que o tempo necessário para o desenhar: é uma espécie de presente perpétuo. Um desenho deixa, após um ataque de marcação, um qualquer resíduo, não apenas na superfície, mas de facto entranhado nela. Independentemente da extensão dessa invasão, de quão “terminado” ele parece, a marca final é sempre a de ter sido abandonado.
É a história desses acidentes e contratempos, ancorados precariamente em papel fino, que às vezes olha para nós».
A Burning Thing traz, de forma marcante, o testemunho deste entranhamento/estranhamento do ataque do desenhador a uma narrativa, em desenhos que interpelam quem os observa.